jueves, 4 de octubre de 2018

Jorge Luis Borges, os caminhos da metáfora





 “os modelos metafóricos ainda podem ter uma elasticidade em que se pode ter algo novo”

INTRODUÇÃO

Temos aqui, neste texto, partes resenhadas de uma palestra borgiana que veio a se tornar livro, Esse Ofício do Verso, e se trata de palestras proferidas em inglês por Jorge Luis Borges nos anos de 1967 e 1968, na Universidade de Harvard, e aqui temos a digressão do escritor sobre questões que tocam ao estudo linguístico e a literatura, numa riqueza de erudição própria do saber que podemos chamar sui generis da percepção intelectual borgiana.

O ENIGMA DA POESIA

Borges começa tratando da palavra enigma já dizendo que não tem nada a revelar neste sentido, que o mistério que cerca a poesia como um todo não é facultado a seu intelecto desvelar, portanto, aqui já de saída desmistifica-se a poesia e seu enigma, uma vez que o saber borgiano discorre mais etimologicamente sobre o tema do que sobre um suposto dom revelador de um adivinho das letras que Borges logo refuta.

Portanto, a postura de Borges diante da poesia é muito mais lúdica, de perplexidade, isto é, de um leitor que tem dúvidas sobretudo, do que de um conhecedor profundo de arcanos que na verdade não existem, pois o intelecto borgiano funciona aqui muito mais como um documento do que um fundamento para a análise da poesia.

E, falando da perplexidade, Borges nos convida ao próprio espanto histórico de que se fez e com a qual se edificou todo o saber filosófico, pois desde as origens do pensamento reflexivo da filosofia temos o espanto, aqui em Borges com a palavra perplexidade, a qual alimentou as especulações filosóficas desde os hindus, chineses, gregos, escolásticos, seja já na filosofia moderna com Berkeley, Hume, Schopenhauer, etc, tal sentimento de dúvida que Borges nos faz saber e compartilha como o começo de sua reflexão sobre o estro poético.

Na análise borgiana temos sobretudo a refutação da ideia ou conceito de forma e conteúdo como expressão, esta que vem da estética, e que está aqui bem citada no livro de estética de Benedetto Croce, área teórica que toma poesia e linguagem segundo o conceito de expressão, num modo de ver que Borges julga equivocado, pois se descola da coisa própria, a poesia aqui vira um fato para a teoria, mas Borges tenta situá-la em seu terreno, a vida.

Borges nos cita John Keats em seu famoso e batido soneto On first looking into Chapman's Homer, o qual é, na fala de Borges, “um poema escrito a respeito da própria experiência poética”. Aqui vigora não a comunicação tomada como tal, mas uma paixão e um prazer, no qual Borges se vê impactado e impressionado não somente em seu intelecto como “com todo o meu ser, minha carne e meu sangue”.

E, fenômeno comum a um leitor, a primeira impressão ao ler um poema impactante nunca se repetirá, isto é, a primeira leitura de um poema causa ao leitor algo tão intenso em termos de deleite e paixão, que não se repetirá em leituras posteriores, já esfriadas por um conhecimento de causa. Contudo, Borges, mesmo diante desta evidência, ainda tenta nos fazer crer que a leitura de um poema se renova e que é possível termos “uma experiência nova a cada vez” com a poesia.

Borges lembra da importância da memória e do saber oral nos inícios da Antiguidade e como isto evoluiu para escritas sagradas como a Bíblia e o Alcorão, sendo aqui o sagrado como escrita do Espírito Santo, por exemplo, quando falamos das Sagradas Escrituras, e atributo do próprio Deus, quando falamos do Alcorão. E segue a leitura de Borges então sobre os clássicos, que lhe são mais caros pela beleza do que necessariamente por sua tomada imortalidade histórica.

E a experiência de beleza passa aqui por uma operação etimológica que se modifica a cada tempo e que na leitura poética tem em palavras de origens diversas uma leitura própria nestes contextos em que a poesia se exerce. A poesia ganha aqui impacto próprio, mesmo em diversas experiências de tradução pelas quais passe. Quando Borges nos diz da beleza, ele nos diz da permanência da poesia.

 A METÁFORA

Borges logo nos dá o fenômeno inusual de que as combinações metafóricas se nos dão como infindáveis, mas que temos contudo o fenômeno usual de que muitos de nossos poetas se utilizam geralmente de metáforas surradas que se repetem pelos anos, no que Borges nos dá este paradoxo em que a amplitude da língua se limita, talvez, quando tratamos desta na língua poética.

Borges segue a sua análise e tem em conta que a metáfora se dá tal qual, isto é, funciona sempre para a percepção do leitor como ela é, ou seja, uma metáfora. Podemos até bem citar a análise borgiana das palavras poéticas como espécies de palavras-valise (aqui lembrando uma leitura exógena carroliana que aqui o resenhista inclui por contra própria) e temos então usos que se dão em metáforas que fluem diversamente, independentemente de condições lógicas prestebelecidas, mas do uso diverso feito pelos poetas e suas idiossincrasias simbólicas feitas pelo estro em ação, e que Borges nos dá exemplos como pela palavra noite, ampla em seu ir e vir pelas metáforas em seu sentido e uso.

Contudo, embora Borges nos dê a diversidade da palavra noite como metáfora, nos dá a entender também, por conseguinte, a limitação das metáforas surradas em palavras como lua, rio e pela manjadíssima comparação das mulheres com flores num estro romântico desavisado em língua-clichê que a poesia sempre conflui para o bem ou para o mal. Temos que a metáfora surrada dos poetas é um limite não linguístico, mas estilístico, em que o poeta é escravo de seu próprio estilo e não tem para onde ir.

E Borges segue a sua análise comparando o argumento filosófico em seu conteúdo lógico como insuficiente diante da verdade metafórica encontrada na poesia, e temos que Borges vê um discurso filosófico como o de Martin Buber, por exemplo, tendo mais valor como algo de beleza poética ou sonora como de um argumento filosófico propriamente dito, o que leva Borges a viver em Walt Whitman, por conseguinte, uma medida que ele usa para chancelar sua análise de que a poesia é mais convincente do que as ideias racionais, pois estas estão sem o brilho da beleza que a poesia proporciona.

E Borges nos dá sinais na poesia que atuam como velhos encantamentos que passam com o tempo a configurar truques de obviedade de modelos limitados de metáforas na poesia, desde afetações gongóricas do repertório barroco ou ainda imagens reiteradas de um estro romântico byroniano, por exemplo.

O que temos, por fim, dados exemplos de poetas históricos, é que os modelos metafóricos, embora limitados, ainda podem ter uma elasticidade em que se pode ter algo novo, “novas variações das principais tendências” em que temos o paradoxo dos modelos limitados, quase truques, com a inovação possível ainda por novos poetas históricos em correntes ou tendências ainda inauditas.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Fuente: Século Diário

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